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Ser diferente.

(5 minutos de leitura)

Ser diferente de quem? Diferente aos próprios olhos? Aos olhos de quem?

O diferente não é igual aos outros. Quando outros são maioria, o diferente se aperta, vai no sentido contrário. De que? De ideias, aparência, atitudes e comportamentos – ou tudo isso junto!

Quando menina, eu me achava diferente na aparência. Tinha muitas sardas, cabelos ruivos e crespos. Jesus, eu sobrevivi! Nesse tempo do passado, as “meninas bonitinhas” tinham o cabelo preto ou loiro, e sempre liso. Crespas alisavam os cabelos. Ruivas não tinham solução – era seguir em frente e ponto final. Até os 18 anos, pintar o cabelo estava fora de cogitação.

Não sofri nenhum tipo de bullying, sempre tive boas amizades e fiz parte de grupinhos na escola. Minha aparência só incomodava a mim mesma. Eu alisava meus cabelos durante a noite, enrolando todos os fios na cabeça (a gente chamava isso de “fazer uma touca”). O resultado não era nada duradouro, ainda mais para mim que atravessava quadras a pé até a escola. Em dias de neblina, o liso ia ficando pelo caminho… Aos 13 anos de idade, eu sofria com isso, achava meu cabelo horrível. Eu era ruiva e crespa. Eu era diferente!

Voltando no tempo

Agora, voltando lá nesse tempo, eu de uniforme marinho e branco – saia pregueada e camisa, sapato preto e meias brancas até os joelhos – eu era uma graça! Meus dentes da frente eram grandes, os olhos verdes claro. Eu era uma graça e não sabia. Porque eu queria ser igual a maioria, eu não queria ser diferente. Ah, se eu soubesse que o diferente é incomum, é escasso. É raro!

Meu ruivo era um tom de fogo apagado. Lembro de um colega de classe que era ruivo tipo um incêndio acontecendo. A turma chamava ele de “Inferno na Torre” (um filme famoso da época, 1974). Olhando de fora, a gente se divertia, mas não era “barra pesada”. Queria saber como aquele menino se sentia com aquilo… Afinal, já era uma forma de depreciar e constranger o outro – e que hoje leva o nome de “bullying”.

Avançando 50 anos

Avança comigo 50 anos. Estamos no tempo de agora. 2025. Quando penso como é ser jovem e sofrer bullying me descalibro geral. O que faz com que um garoto ou garota se achasse no direito de atacar, julgar, diminuir e constranger o outro. Entre 10 e 15 anos, é fácil a gente ser pego pelo olhar do outro, um olhar crítico que amplia qualquer diferença – você é mais gordinho, seu cabelo é eriçado, seu nariz é grande, sua roupa, sua voz… Toda diferença serve para um bullyingzinho que não tem nada de inocente.

Esse tipo de coisa dos tempos atuais me fazem pensar – que tipo de pais essa criança teve em casa? quem educou, quem conversou, deu atenção e acompanhou o que ela pensa, faz, sofre, deseja? E em que momento as escolas perderam todo o seu foco em educar e formar cidadãos legais, gente boa, gente que sabe acolher, ser amiga, compartilhar. Parece que tudo desmoronou junto – o lar e a escola. Como foi que isso aconteceu e por quê? Isso dá uma boa e longa conversa, com certeza, mas não agora.

Sentir-se diferente

Hoje eu estou com 63 anos e me sinto diferente. Não mais pelo cabelo crespo e ruivo ou pelas sardas pelo rosto e corpo. Eu me sinto diferente da maioria pelos procedimentos estéticos. Agora, ter idade e o rosto preenchido é o visual da maioria. Mas, eu sou diferente. Meu rosto está enrugado, tenho manchas e flacidez na pele. Tenho tudo o que meu corpo atravessou para chegar até aqui. Eu tentei apagar esse rosto e parecer menos velha ( leia o post: https://sobreenvelhecer.com.br/lifting-facial-voce-faria/). Isso foi há 8 anos e o tempo seguiu fazendo o que ele faz: nos levando com ele e nos transformando.

Hoje, eu me sinto diferente num tempo onde a maioria das mulheres não quer ter o rosto com rugas, um “rosto de velha”. A verdade é que envelhecer é difícil. A gente precisa aceitar que fica diferente, viver fica diferente. Nossa aparência muda, nossas habilidades enfraquecem um pouco (ou muito). Não é mais como antes. É diferente. Mas, eu gosto de estar viva, ainda que seja difícil sentir as perdas e mudanças, no corpo e ao meu redor.

Me sinto sortuda por fazer parte de uma geração que pôde ver e viver tantas novidades, cada vez mais aceleradas, no espaço de 60 anos. Eu datilografei em máquinas com fita de tinta, depois com esferas e fita corretora, um luxo! Eu trabalhei com telex e fac-símile. Estudei em livros e bibliotecas. Caminhava no parque escutando as fitas k7 no meu Walkman. Fotografei, em rolinhos de filme, grande parte da minha história, até chegar ao smartphone – e ele faz tudo isso aí sozinho, na palma de uma mão.

No final das contas, a verdade é que cada um é diferente. Todos somos diferentes entre nós. Somos únicos, singulares e perfeitos nas nossas diferenças. Os outros, são os outros, e só! Se eu soubesse disso, 50 anos atrás, teria curtido muito mais ser como eu era: uma menina ruiva, crespa, coberta de sardas e diferente da maioria. Viva o diferente!

Foto de Isabel Cavalcanti Juchem

Isabel Cavalcanti Juchem

Sou publicitária e trabalhei como Produtora em agências de propaganda a maior parte da minha carreira.

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