Lutos são para sempre

O luto fica com a gente, para sempre.

O tema do luto é recorrente para mim, desde a morte repentina da minha mãe, uma experiência que me marcou intensamente. Hoje, talvez por eu estar vivendo a última parte da minha própria vida, sinto como o tempo se escassa cada vez que uma morte acontece: fulano morreu aos 89 anos, aos 93, aos 77… Estou com 64 anos.

É uma mistura de curiosidade e pena por estar perto do final, um final que vai chegar para todos nós, mais cedo ou mais tarde. Eu espero que seja mais tarde! Mas, sendo logo ou não, eu gosto de pensar que haverá quem lamente a minha partida, que eu tenha conseguido deixar lembranças alegres, alguma sabedoria, uma receita de bolo gostoso que alguém vai repetir e lembrar que um dia eu existi.

Os lutos ocupam um espaço dentro de nós — o lugar das ausências definitivas que vivemos. É luto de pai, de mãe, irmãos, avós, tios, pessoas que amamos, amigos que tivemos e pessoas que admiramos. Alguns são mais dolorosos que outros, talvez pela forma como aconteceram, talvez pela vida que compartilhamos com a pessoa.

Luto é conviver com uma ausência eterna

Cada ausência eterna deixa um “pacotinho de luto” com a nossa dor e as memórias daquela vida – um pacotinho cheio e um vazio gigante. Os lutos não passam nem desaparecem, eles ficam guardados no nosso coração, no baú de saudades. Lá ficam as recordações do passado que não volta, mas que, às vezes, ressurge inesperadamente — numa música, numa cena, numa data especial, num cheiro, num lugar. Nessas horas, parece que a pessoa está ao nosso lado, nosso coração aquece. É uma sensação de instantes, e se vai.

Como envelhecer sem que a vida se transforme num peso, com lutos que se acumulam com o tempo? Desde a ausência mais dolorosa até a mais suave, precisamos encontrar uma forma de acomodar essas dores — as dores da saudade, da falta — para seguir em frente e ser feliz, viver de verdade e plenamente. Não sendo assim, os dias passarão vazios, e a vida será mecânica, uma repetição de dias sem emoção.

Foi assim que senti, há algum tempo, enquanto vivia o luto pela minha mãe. Ela faleceu cedo, aos 67 anos, uma morte repentina, o coração simplesmente parou. Eu tinha tantos planos, tanto para viver com ela, mas tudo acabou numa noite de julho, em 1997. Os primeiros dias foram confusos, uma agonia insuportável. Eu tentava desviar o pensamento, focar em algo que aliviasse a dor, que disfarçasse aquela realidade.

Agora, olhando para trás, acho que nesses dias é assim mesmo: pesado, doloroso, confuso. Afinal, como acomodar uma ausência definitiva, sem esperança de abraçar a pessoa mais uma vez, quando não existe passagem aérea que permita um reencontro, uma última chamada de vídeo, um telefonema? Nada. Nunca mais. Só memórias queridas. Ficam as fotos, os objetos, um cheiro nos armários e nas gavetas que logo vai desaparecer. Nesses dias, tem muita dor. O meu coração ardia, literalmente.

Como acomodar algo tão doloroso?

A vida segue seu curso e nos leva junto. Os dias simplesmente acontecem, acordamos e estamos vivos. E nos perguntamos: como viver agora? Como ter vontade de qualquer coisa com um buraco tão grande dentro de nós?

Pois bem, eu penso que é preciso fazer uma escolha: que pessoa eu serei daqui para frente? Quem sou eu depois dessa experiência? Posso me deixar ficar nesse buraco de dor e viver uma vida pesada, triste e dolorida. Ficar presa no passado. Eu serei essa pessoa para sempre? Um fardo amargo para mim e todos ao meu redor, uma figura opaca circulando pela Terra? A outra opção, que não é fácil, é escolher continuar e se resgatar do desconsolo, se reconstruir a partir daí para retornar para a vida com vontade. Cada um vai estar pronto a seu tempo, mas é uma escolha pessoal continuar a vida e querer ser feliz de novo.

Aqui, é comum sentirmos culpa: culpa por estar vivo, por rir enquanto carregamos um luto recente. É normal e inevitável. Faz parte desse reinício, quando os nossos sentimentos começam a se reorganizar em novos lugares. Seguir em frente com a vida e deixar o luto guardado num lugar especial, mais um pacotinho de luto. Essa experiência exige vontade, é como caminhar contra uma ventania, com poeira nos olhos e passos incertos, mas vai melhorar.

No final das contas, a forma de lidar com o luto é uma escolha pessoal

Enfim, em qualquer idade, viver um luto, a ausência definitiva de alguém que amamos, é um desafio doído. Mas as opções de escolha são as mesmas para todos: arrastar a tristeza consigo, para sempre, ou elaborar a perda, colocar ela no saquinho, deixá-la guardadinha no peito e seguir a vida feliz e contente. É possível e é uma escolha. Não podemos, nunca, perder o interesse pela nossa vida quando uma vida “se perder”, caso contrário, vamos terminar nossos dias vivendo o luto de nós mesmos. Bora viver!

P.S: O luto do corpo jovem perdido

Recentemente, conversando com uma amiga, nós reclamávamos da pele flácida nos braços e pernas, uma coisa natural que acontece quando o corpo envelhece. Mas essa transformação do corpo, a perda de elasticidade e sustentação da pele, as rugas, as manchinhas… tudo significa dar adeus à juventude, o que não deixa de ser um luto também, o luto do corpo jovem que não volta mais. É a despedida de uma imagem que foi nossa e, agora, se foi. Ainda bem que podemos nos manter jovens na vitalidade, curiosidade e vontade de viver!

Foto de Isabel Cavalcanti Juchem

Isabel Cavalcanti Juchem

Sou publicitária e trabalhei como Produtora em agências de propaganda a maior parte da minha carreira.

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