Ferias de mim_23 24

Férias de mim

Tirei férias de mim. Há dias não escrevo. Nem uma linha. Só a lista do mercado. Ler, sim, estou lendo. Agora me dou conta de como esses dias na praia mudaram minhas rotinas de cidade.

Além de suspender os treinos, a escrita diária era um compromisso comigo mesma. Mas nem trouxe meu caderno. Deixei ele na cidade, na mesma prateleira de onde meu olhar bate e me impede de esquecer. 

Estou na praia há 7 dias. O tempo está perfeito, céu azul e sol todos os dias. A água do mar ainda não se calibrou para o verão. Tão gelada que tem efeito anestésico. Mas, de resto, tudo é férias. Horários e compromissos substituídos por um “sem planos”, só relaxar e aproveitar a beira do mar. Ler na rede. Ler na beira da praia. Regar plantas. Comer. “Bicicletar” por aí. 

Vi o relatório do meu smartphone – acesso as redes caiu mais de 40%. Beleza! As férias nos deixam mais contemplativos (e redes sociais são o avesso disso). Como se os sentidos passassem por um reset, retomassem o formato de fábrica. 

Não tenho televisão no quarto, aqui na praia. Isso é outra coisa que qualifica mais o meu sono. Deito, ou jogo algumas partidas de paciência ou sudoku no tablet. Ou leio mais algumas páginas de um livro e durmo. Durmo pesado. 

Amanhece. Acordo cedo. Saio da cama quando meu marido apronta nosso café da manhã. Ás vezes, ligo a tv nessa hora, a única em que atualizo as notícias daqui e do mundo. Pobre mundo imundo. Países em guerra por mais alguns pedaços de terra. E gente morrendo por todo lado. 

Antes mesmo de viajar, já tinha dado um tempo nos noticiários. Israel tratorando Gaza e todos nela. Rússia e Ucrânia logo vão comemorar mais um aniversário com tiros e bombas um contra o outro. É muito triste. Me estraga ver e não ter como impedir, ajudar, por fim nisso tudo. Tudo movido por interesses, ganância, julgamentos. Tudo mostrando o pior da raça humana.

Eu instalaria uma nova ordem mundial para cargos políticos: é primordial submeter-se a um teste psicológico profundo antes de se candidatar a qualquer tipo de cargo administrativo na política. Certeza que ⅔ não conseguiria avançar. Me impressiona o tanto de pessoas incapazes psico-cultural-socialmente ocupando presidência disso e daquilo. É triste. Lastimável.

Mas voltemos às férias. Fazendo de conta que tudo está bem ao redor do planeta, que  não estamos a beira de um colapso ambiental e social em todo o globo terrestre. Talvez seja necessário desligar os contatos com essa realidade angustiante e se deixar levar pelo vento. Como uma biruta que pula, sobe, desce, vai e volta nas lufadas imprevisíveis do vento.

Em férias de mim. Sair do corpo, desconectar o pensamento lógico, pragmático, realista. Fechar os olhos e ver apenas o que faz bem. Pular dentro de uma bolha de universo paralelo onde só tem paz, divertimento, felicidade, amor, música, sol e rio, ou mar. Fazer de conta, por alguns dias, que tudo está bem. Mas, sinto culpa dessa ignorância consciente. 

Numa situação privilegiada como a minha – pessoa livre, próspera e saudável – diante do que vejo na rua, no noticiário, nas redes sociais, é de “bagunçar o psicológico” de qualquer um. Mesmo assim, eu agradeço. Sempre que saio pra rua, olho pra cima, vejo o céu aberto e eu sou livre, autônoma, forte – agradeço! Por poder ser, estar, ver e sentir.

Essas férias são bem aventurança. Me delicio com o simples estar na rua. Caminhando, pedalando, sentada na varanda, no vento. A rede balança. Minha gata dorme enroscada na cadeira ao meu lado. Tem muitos passarinhos. Um latido aqui e lá longe. Conversa de cachorros. Um carro passa de vez em quando. É silêncio. É paz. 

Sentir paz é um exercício de atenção plena. A consciência de tudo que escrevi antes dessa linha, o contraponto do mal e do bem. Encontrar equilíbrio, apesar da balança imprevisível dos dias. Surpresas, sustos, felicidade, dor, injustiças. Tudo pipocando, impossível prever, impossível controlar. Ainda assim, sentir paz. Isso é possível?

Paro, respiro, concentro. Num instante, sinto ansiedade de novo. E sufoco. É difícil respirar, o ar não passa. Faço força. Paro, respiro, concentro. De volta ao corpo. 

Estar em férias, longe de casa, das rotinas do ano inteiro, demora a gente despertar os sentidos puros, para a consciência do agora, do corpo. Concentrar só no que nos folga, relaxa, diverte, soma. Estou em férias da rotina.

Em alguns dias, volto à cidade, ao apartamento no 8o andar, onde passo a maior parte do meu tempo, o ano todo. Não é ruim. Só desafia mais o estado de presença. Por enquanto, sigo por aqui, onde o sol aquece a areia e o céu está limpo, nuvens ausentes. Descompromisso possível nesse espaço e tempo tão especiais. 

Garopaba, SC. 28/12/23

Isabel Cavalcanti Juchem

Isabel Cavalcanti Juchem

Sou publicitária e trabalhei como Produtora em agências de propaganda a maior parte da minha carreira.

Compartilhe este texto

WhatsApp
Telegram
Facebook
Email

Leia também