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A chuva é um fenômeno natural essencial. Em quantidades adequadas, ela traz vida às plantas e animais, incluindo seres humanos. Quando eu era criança, os dias chuvosos eram um tormento para mim – uma menina de cabelos crespos que se envergonhava e se sentia insegura com seus cachos. Para complicar, meus cabelos eram ruivos, o que me diferenciava ainda mais da maioria.
Houve uma época em que as pessoas dormiam usando toucas – não as de tecido ou lã, mas sim toucas para alisar os cabelos. Elas funcionavam ao pentear os cabelos úmidos para um único lado, cobrindo a cabeça inteira como se fosse um manto enrolado ao redor do crânio. Algumas usavam um rolo no topo da cabeça que ajudava a manter a forma onde era mais difícil alisar perfeitamente – eu nunca utilizei esse método e frequentemente acabava com marcas dos grampos de metal nos cabelos da parte de trás da cabeça (os grampos de plástico só apareceram bem depois).
Não pense que era só fazer o contorno da cabeça, prender com os clips e pronto. Não! Passadas algumas horas, era preciso virar a touca, pentear tudo para o lado contrário, no mesmo procedimento. A diferença é que as raízes doíam demais nessa virada que forçava as fios pro lado contrário. Ai, que dor!
Pela manhã, a dor para desfazer a touca.
Pela manhã, soltava tudo, penteava bem – e o couro cabeludo sob tortura. O cabelo ficava igual passado a ferro, liso mesmo. Acontecia de ficarem uns fios de crescimento espetados acima da testa. Se o dia estivesse seco e com baixa umidade, era beleza! a touca duraria um ou dois dias. Mas, em dias de chuva, só se aproximar da porta de casa tinha efeito devastador. A touca “ia pro brejo”… e o visual lisinho se convertia em palha de aço, pura revolução. Um sofrimento para aquela adolescente que queria ser lisa “como a maioria” das colegas, e um trabalhão para a alegria de poucas horas.
Assim como os cabelos eriçados, também me incomodavam os pés molhados. Sapatos úmidos por todo o turno da escola. Lembro de ter tido umas botas de chuva brancas (tipo as usadas em açougues), mas eu morria de vergonha de usar aquilo, chamava muita atenção e o meu objetivo nessa fase era não me destacar. Tento lembrar por qual razão ganhei essas botas brancas da minha mãe já que eu teria escolhido botas pretas. O fato é que, agora, aos 60 +, comprei um par de botas de chuva! São azul escuro com solado amarelo. Ah, como a maturidade nos liberta de padrões, vergonhas e preconceitos.
Botinas de chuva – uma libertação.
Eu frequento uma Academia, 3 vezes por semana, onde pratico ginástica localizada com pesos. Às segundas, quartas e sextas-feiras, lá estou eu, pronta para malhação. Tá e daí? Daí que volta e meia, amanhece chovendo. Do meu prédio até a academia, caminho umas 4 quadras. Quatro quadras são o suficiente para encharcar os tênis (e até os pés). Não imagino praticar uma hora de aula com os pés fazendo “xloc, xloc”. Sem chance, pelo menos para mim. Solução? Comprei botinas de borracha. Uma maravilha! Saio de casa com elas vestidas e carrego o par de tênis na mochila. É perfeito.
Dias de chuva vão existir para sempre, mas, hoje, com minhas botas de chuva nos pés, pisando dentro de todas as poças d’água no meu trajeto até em casa, volto ao tempo de menina, agora sem vergonha ou preconceito. Guarda-chuvas, os cabelos presos num rabo-de-cavalo e um boné na cabeça.
Deixar de se preocupar com o que não importa.
É, a idade avança e a gente foca na utilidade, no conforto, no bem-estar. Não é desleixo, mas deixar de se preocupar com o que não tem a menor importância. Meus cabelos continuam eriçando em dias de chuva, mas eu aprendi como manejar os fios sem dor. Eu aceito meus cabelos, gosto deles e acho que nunca nos demos tão bem.
Os dias de chuva? Venho fazendo as pazes com eles. Dias de sol, dias ventania, dias secos, dias úmidos. Um dia, seja como for, é vida acontecendo, é vida seguindo, avançando e levando a gente junto. E isso, é uma sorte incrível. Poder avançar no tempo, admirando o tudo que um simples dia de vida pode nos dar, faça chuva ou faça sol.