Os instantes que antecedem o sol se esconder me hipnotizam. Cada pôr do sol é exclusivo, não tem repeteco. Um fechamento deslumbrante de mais um dia que acabou e não volta mais. Todos os dias, há expectativa de como o sol vai se deitar: suavemente, vibrante, incendiário, quase raivoso? Será um fogaréu no céu, ou um simples luzes apagadas em adeus ao dia?
No apartamento onde moro com meu marido, a gata Mel e o recém adotado – doguinho River, espiar as artes que o Sol desenha no céu é um ritual sagrado. É magnético! Pores de sol de verão, pores do sol de inverno, cada estação é um humor diferente. No verão, quando o sol se põe mais tarde, convido meu marido (que já chegou do trabalho) para vir até a janela – “olha isso! aprecia, amor!”. Comemoro comigo mesma “que bom que eu vi”!
Aos 60+, já presenciei incontáveis pores do sol, e faço coleção deles. A diferença, agora, procuro estar em completo estado de presença. Inundação de cores no céu, em formas surpresa! Ao final de tarde, sou sentinela na janela. E fotografo sempre. Quero guardar comigo a visão dessas obras únicas que o sol pendura e logo esconde. Quem viu, viu. O céu é galeria de artes efêmeras.
Envelhecemos, consumindo dias, e o sentimento de que o tempo não para fica mais presente. Coisas que não ocupavam a nossa atenção, o que sempre esteve ali, já tem outro sentido. Por isso, faz algum tempo, coleciono pores do sol.
Assistindo o pôr do sol em estado de presença.
Mais um dia acaba. Quantas partes desse dia eu estive presente, de verdade? É fácil ser empurrada pelo cotidiano – acorda, arruma a cama, toma café, lava roupas, estende, recolhe, guarda, cuida dos pets. Cozinha, lava a louça, seca e guarda. Senta no sofá, celular na mão, e as horas escorrem por ali. São 6 da tarde. É inverno e o por do sol já foi. E com ele se foi um dia sem conexão e sem presença. Fico chateada quando me dou conta que o dia foi consumido dentro de casa, que não olhei pela janela nem uma só vez, que não respirei fundo… Mas aí, já era.
Não se pode reviver um dia passado no “modo avião“, impossível resgatar aquelas horas. Adiante, o número de dias reduz, pingando igual torneira mal fechada. E a caixa esvazia. Essa é a sensação que tenho do envelhecer. É de onde, hoje, me vem a atenção às horas, ao dia que vai acabar, e não terá retorno. Então, que seja vivido com atenção e, quem sabe, até deixe boas memórias. No mínimo, de um pôr do sol lindo.
A sensação de algo escoando entre os dedos e que não se pode reter, me traz ansiedade. O tempo não para e tempo importa demais agora. Eu “tenho pressa de viver” como disse o Belchior, na canção Coração Selvagem:
"Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja
Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja
Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo
Tenho pressa de viver..."
Essa música é de 1977. Eu tinha 16 anos nessa época. Lembro do Belchior cantando, mas nessa idade, eu não percebia o tanto de verdade que tem essas frases.
Quantos pores do sol ainda tenho?
Quantos pores do sol ainda vão me surpreender? Quantos dias ainda tenho? Ninguém sabe. Posso parecer melancólica. Mas assim eu vejo os dias – um presente entregue todas as manhãs! Que presente. Que chance de mil coisas. De coisas simples como dar atenção pro céu. Ou escutar os sons da cidade, alguma música, cuidar das plantas, conversar, ler o livro que inspira. Esperar pelo sol indo deitar só pra ver como vai ser.
Surpresa. Curiosidade. Expectativa. O que ele vai pintar hoje? Vai inundar a cidade suavemente, borrando a linha do horizonte em tons de rosa? Meio bagunça, meio beleza. Ou vai se deitar ardendo, incendiário, quase assustador? O sol é um artista talentoso e criativo.
Mais um dia termina e eu vou dormir e atravessar a noite. Amanhã, o meu presente diário vai ser entregue? Eu estarei viva? Espero que sim. Amém.