Agora que eu estou começando a envelhecer
(disse dona Nair, 94 anos)
É domingo, dia dos pais.
Meu marido e eu estamos visitando minha irmã e cunhado. É uma manhã ensolarada de agosto e um churrasco está em andamento.
A casa tem uma grande varanda. Da área da churrasqueira se pode ver o extenso gramado, e a estradinha de chão batido que leva até o portão de entrada.
Sem aviso, vem vindo uma senhora pela estrada, numa caminhada cuidadosa e decidida usando só um galho grande e liso como apoio. Na certa foi bem limpo e lixado para esse fim.
Ela é dona Nair, 94 anos de pura disposição e energia. De estatura pequena, ela está em boa forma física. Os passos cuidadosos mas firmes chegam até a varanda e todos a recebemos com carinho. Sim, testemunhar uma pessoa que chega aos 94 anos sendo capaz de cruzar a distância de 200 metros, sozinha, subir uns degraus para a varanda e não ficar ofegante…?! É maravilhoso, concorda?
Dona Nair se acomoda numa cadeira ao lado da porta da varanda, em frente a churrasqueira. Veio abraçar o filho e contar que o irmão (72 anos) faleceu durante a semana. Tinha 12 irmãos e agora são apenas 3. Logo esse fato triste se dissipa e os assuntos fluem e se desencadeiam com alegria.
Interessados e atentos com aquela mulher cheia de histórias, ficamos ao redor dela, ouvindo e nos surpreendendo a cada nova contação de passagens daqueles 94 anos. Ela borda, costura patchwork, cuida do jardim, faz mudas com garantia de que vão vingar! e nos conta de quando era menina e como aprendeu a bordar.
Vou presentear a quem eu mesma escolher!
Somos uma audiência encantada ao redor dela e ela está satisfeita com isso. Contando de seus guardados em baús e caixas ela diz em tom de obviedade pegando todos de surpresa:
-”Agora que eu estou começando a envelhecer, vou presentear a quem eu mesma escolher!”
Ela fala isso com um sorriso e brilho nos olhos. Parece feliz por dividir conosco as suas histórias e as lembranças valiosas que nos deu a honra de escutar.
Eu penso que essa mulher realmente não envelheceu, talvez não envelheça nunca. E entendi com ela que envelhecer é estado de espírito, é a forma como nos colocamos diante da nossa própria vida.
Dona Nair nos emocionou e muito. Uma mulher simples e vibrante, cheia de dons, de histórias e sem um pingo de melancolia. Afinal ela está viva e ainda tem muito a fazer.
Um mundo inteiro de conhecimentos e habilidades estão guardados ali, naquele corpo ainda forte, naquela mente em plena atividade. A memória em dia e muita vontade e disposição para seguir criando, produzindo e se movimentando.
Era dia dos pais, mas foi essa mulher admirável que fascinou e roubou a atenção de todos nós. Depois desse encontro, eu espero poder vê-la e ouvi-la novamente, e renovar minhas crenças sobre o que é envelhecer bem, com toda a graça e a magia da dona Nair.